sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

SUSTENTAR O LUGAR: UMA FORMA DE FAZER CLÍNICA PSICANALÍTICA NA ATUALIDADE.


SUSTENTAR O LUGAR: UMA FORMA DE FAZER CLÍNICA PSICANALÍTICA NA ATUALIDADE.




Já estou na prática docente em Psicologia há tempo suficiente para ter ouvido inúmeras vezes de alguns alunos que não gostam de psicanálise porque o analista é “frio”, “pouco emotivo” e “pouco empático” e mais...o analista praticamente não fala, só escuta. Tantas décadas de psicanálise e ainda escutamos isto? Sim, porque ainda há uma prática rígida da psicanálise e um entendimento ortodoxo do que é ser um analista. A enfâse na escuta do inconsciente parece ter tirado a compreensão de que o analista também fala e também por ai passa a sustentação deste lugar de analista.
Desde os primeiros momentos em que Freud passa a escrever de forma sistemática sobre a questão da formação psicanalítica nos famosos ‘’Artigos sobre a Técnica “de 1912”, a busca por se alcançar os princípios básicos postulados pelo pai da Psicanálise como necessários para a concretização adequada da intervenção psicanalítica foi se tornando algo como que “intocável”. Assim permaneceu durante bom tempo, provavelmente apenas vindo a sofrer seus primeiros grandes questionamentos a partir de Jacques Lacan em fins dos anos 1950.
O desenvolvimento das Sociedades Psicanalíticas contribuiu efetivamente para a implantação definitiva dos padrões de formação do analista e gradativamente foi sendo adicionada a modelos universitários de formação quando a Psicanálise passou a fazer parte também de currículos acadêmicos. Importante então ressaltar que a inclusão da Psicanálise no meio acadêmico foi se dando também em meio ao surgimento de outras técnicas de psicoterapia que traziam variações importantes tanto técnicas quanto teóricas, inclusive no tocante á formação do terapeuta.
A busca pela consolidação da formação, também acabou por cair em um engessamento da formação, representada principalmente sobre como o analista conduz o tratamento psicanalítico. A importante junção de procedimentos técnicos e éticos acabou por reduzir-se a esteriótipos da figura do analista e seus comportamentos dentro e fora do consultório. Parece-nos assim, que muito deste esteriótipo está relacionado a figura do analista como um profissional que quase nada fala no trabalho analítico, que somente escuta e desvia efetivamente qualquer pergunta que lhe seja dirigida pelo analisando como manifestação de resistência deste.Tal esteriótipo pode ser facilmente encontrado em muitos psicoterapeutas que defendem a posição por estarem dando seqüência ao que foi devidamente postulado por Freud. Logo, o analista “mudo”, onde a resistência é basicamente do analisando, torna-se o padrão seguido rigidamente. Não estamos diante de um equívoco? Nazio (1999,p.07) aponta; “A caricatura do analista eternamente silencioso, sugerindo que a análise se desenrola ao sabor da fala, é uma visão incorreta. É uma caricatura errônea do nosso trabalho de analista e lhe é nociva.”
É com Juan David Nazio na obra “Como trabalha um psicanalista” de 1999, que encontramos uma construção adequada do que é o silencio do analista. O analista só está verdadeiramente disponível para a escuta, isto é, o analista só consegue verdadeiramente transformar os derivados inconscientes do seu paciente em uma interpretação ou em uma percepção alucinada com a condição de deixar, abandonar, separar-se do seu Eu, de fazer calar em si as ambigüidades, os enganos e erros do discurso intermediário, para abrir-se enfim á cadeia das palavras verdadeiras (...) É preciso pois, abandonar o EU.(NASIO, 1999,p.126)
E o que significa então este abandonar o EU? Nasio completa a questão; Fazer silêncio em si significa que espacialmente estamos fora de nós, exilados do Eu, ou, para retomar o belo título de um livro recente escrito por uma amiga, somos estranhos a nós mesmos. Somos estranhos a nós mesmos sem com isso estarmos com o outro, meu semelhante, isto é, meu analisando, nem com o Outro nem com o grande Outro, garantia da verdade. Não estamos nem sós nem com os outros. Estamos sem mais ninguém. E por estarmos sem mais ninguém, somos objetos. Sou onde não há EU. Sou onde não penso. Sou onde não há outro, nem pequeno nem grande Outro. Isso espacialmente. Temporalmente, não temos nenhuma consciência da duração. O lugar do analista, o fazer silêncio-em-si, só o ocupamos na brevidade fulgurante de um clarão. (NASIO, 1999,p.126-127)
Aqui podemos pensar o que marca a relação analítica. Para produzir transferência o analista não deve existir plenamente, deve abandonar-se e permitir que o desejo inconsciente do analisando venha á tona. Não falando de “suas coisas” o analista possibilita que as “coisas” do analisando aconteçam na sessão. O analista deve funcionar como um espelho, como escreveu Freud nas “Recomendações aos que exercem a Psicanálise” (1912)
Segurar esta posição é a essência mesma da analise. Segurar a relação transferencial após produzi-la. Não estamos diante de uma das principais diferenças da clinica psicanalítica em relação ás outras formas de psicoterapia? Lembremos do quanto a transferência é fundamental para a Psicanálise.
Sustentando o Lugar na relação analítica.
É no exercício cotidiano da clínica psicanalítica que somos chamados ao desafio de poder manter o lugar do analista. É na relação analítica com o paciente que vivenciamos a experiência do inconsciente do outro. Minha clinica é um espaço onde busco manter a escuta do inconsciente dos pacientes ( O Édipo, a forma de lidar com a castração, a sexualidade infantil) e onde entendo que se constrói o Silêncio-em-si que Nazio nos propõe. Em outras palavras, o que cala em mim não é a voz, apesar de que, como é de se esperar em uma abordagem psicanalítica, eu provavelmente fale bem menos do que psicoterapeutas de técnicas não psicanalíticas.
Vejamos uns fragmentos de análise em que pude trabalhar.
V.40 anos, foi minha paciente por 1 ano. Possui um histórico de relacionamentos amorosos fracassados que foram abortados como ela dizia, por ela própria, antes que ficasse mais sério e eu sofresse mais, ela relatava. Após o terceiro rompimento começa uma psicoterapia não analítica que dura seis meses e que é também abortada por V. Me procura após a quinta separação.
Um fragmento de sessão quando contávamos já sete meses de trabalho, ilustra bem o desafio para mim de sustentação do lugar de analista.
- Hoje não quero falar de mim. Diz V. Vamos falar de você. Estou vindo aqui já há um tempão e você ainda não falou nada sobre você mesmo.
Esta fala é muito comum na clinica. Costuma incomodar os iniciantes e ás vezes até quem já tem um bom tempo de consultório. Também pude perceber meu próprio incômodo, entretanto procurei não lidar com ela como se estivesse fugindo, usando falas como Estamos aqui pra falar de você muito menos dei a V. o que ela queria, ou seja, não falei de mim. Pelo menos não como a paciente pode achar que queria.
Neste ponto inicio em silencio até que V. insiste;
- Me fale de você. Quantos anos tem?
- 36, respondo.
- Já percebi que você é casado. Tem filhos?
- Sim
Seguem mais duas perguntas semelhantes , onde respondo de forma calma e monossilábica até que V. fica em silencio.
Aqui penso importante esclarecer. Respondo as perguntas de V. sem responder. Imaginariamente, ela pode fantasiar que entraria em uma conversa habitual comigo, que eu ampliaria minhas respostas a detalhes de mim enquanto pessoa. Seu silêncio após as perguntas é prova de sua frustração e ao mesmo tempo de seu entendimento do que estava tentando fazer. Assim que não preciso necessariamente recorrer ao clássico chavão típico de muitos psicoterapeuta que dizem; É importante pra você?
Então intervenho: Parece que você ficou incomodada.
- É. De repente não sei o que fazer...
- Neste momento é tão difícil falar de suas coisas que você só conseguiu querer falar de mim. Digo a V.
- É que o outro psicólogo que tive falava mais. Falava o que eu tinha de fazer. Voce não diz o que eu tenho de fazer.
- Eu não acho que você queira que eu diga o que você deve fazer.
- Depois de uns minutos de silencio, V. fala: O outro psicólogo falava...
- Então você deixou de ir. Disse-lhe.
V. a partir daí, começou a associar como se sentia com o outro psicólogo e como se sentia comigo. Percebe sua tentativa de sabotar a sessão e faz novas pontes entre o que sente na sessão e seus sentimentos quanto aos homens com quem se relacionou.
Penso importante salientar que senti incômodo com as falas de V. Parece que sempre esperamos que o paciente faça “tudo como tem que ser feito”, que associe sem maiores transgressões ao setting e que seja assim, “um bom paciente”. Evidentemente a vivência da clinica, aliada ao nosso trabalho de análise pessoal nos possibilita cada vez maior equilíbrio diante de sentimentos como este, nos dando condições de manter nosso lugar na relação analítica e dar seguimento ao processo de análise dos pacientes.
Remeto-me a Lacan, que enfatizou; “Nunca se disse que o analista não deve ter sentimentos em relação ao seu paciente. Mas deve saber não apenas não ceder a eles, colocá-los no seu devido lugar, mas servir-se deles adequadamente na sua técnica.” (LACAN, 1979, p. 43)
Acredito que não precisamos fugir das perguntas que nossos pacientes nos fazem e sim que podemos responder desde que não coloquemos nossos desejos enquanto pessoas na cena analítica. Sendo mais pontual: Desde que não coloquemos nosso ego em cena.
Outro fragmento ilustrativo é o de M.32 anos, homem com timidez patológica e que foi meu paciente durante um ano e meio e que eu havia encontrado na padaria um dia antes da sessão relatada. No momento do encontro eu o cumprimentei educadamente como sempre faço quando encontro um paciente em situações fora da sessão. No dia da sessão ele fala;
- Você sempre vai aquela padaria?
- Ás vezes, digo.
- Eu já te vi por lá outras vezes. Você deve morar perto de lá não é?
- Sim, respondo já na expectativa de para onde M iria com sua fala.
- Dia desses te vi de bermuda e sandália. Estranho ver meu psicólogo como uma pessoa normal. (Fala expressando o rubor característico de sua excessiva timidez.)
Neste ponto eu já havia percebido como eu estava incomodado diante da fala de M e permaneci em silêncio, esperando para ver como ele desenvolveria seu discurso. Curiosamente naquela sessão, ele trabalhou normalmente e não escutei nada mais que pudesse apontar uma resistência do paciente, nem minha. A questão voltou a se apresentar oito sessões depois. Nas anteriores já havia percebido uma mudança no ritmo do discurso de M. Seu estilo de falar vinha se mostrando mais cadenciado, quase deprimido. Já não trazia muitos conteúdos como antes, mesmo assim nada lhe apontei pois não conseguia “hipotetizar” uma compreensão de sua atual dinâmica.
Lembrei-me entao que eu o tinha visto em dois eventos sociais nas duas semanas seguintes ao nosso “encontro” na padaria. Nas duas ocasiões ele veio até mim e me cumprimentou, mas não havia trazido nada sobre isto nas sessões. Passei a ligar que o ritmo das sessões começou a mudar dias depois deste episódio que eu inicialmente ignorei, pois ele nada havia falado. Então, na nona sessão após a citada inicialmente, M.fala das duas outras situações em que me cumprimentou;
- Me senti estranho nas duas ocasiões em que lhe vi a noite. Diz M.
Permaneci em silêncio. Então ele continuou mostrando-se agitado;
- Achei que você podia ter me dado maior atenção. Achei que você meio que me ignorou, foi monossilábico. Não gostei.
Naquele momento minha mente já começava a ser contaminada com um previsível incômodo e a tendência era ou permanecer em silêncio ou solicitar que ele falasse mais sobre seus sentimentos, mas percebi que esta última alternativa era minha defesa naquele momento. Após um tempo em que ambos ficamos em um silencio que não sei hoje precisar, interpretei-lhe fazendo uma ligação com sentimentos homo-eróticos que ele havia verbalizado ainda nas primeiras sessões e que sua hostilidade latente acabou por mudar a forma como vinha conduzindo suas associações e conseqüentemente me punindo. As questões homo-eróticas que foram trazidas no começo só ganharam sentido pra mim a partir daquele instante. Antes, além de não aparecerem muito nas associações de M, também eu não me “lembrava” delas porque me trouxeram sentimentos de rejeição quando ele as verbalizou inicialmente. Foi preciso que eu as mantivesse equilibradas em mim para que o incômodo que as associações do paciente me suscitaram não afetasse a relação analítica e minha escuta do seu inconsciente. Trabalhamos por mais 1 ano até que M, mudou-se de Porto Velho.
Considerações finais.
O exemplo destes pacientes tem por simples objetivo compartilhar as variações intersubjetivas que a psicoterapia psicanalítica pode nos oferecer. A intenção básica é que reflitamos sobre a importância de que uma apurada escuta do inconsciente na clínica psicanalítica é antes de tudo, uma escuta do singular e um singular que inclui o próprio analista e não apenas o paciente. Assim, não se prender a compreensões engessadas, onde práticas discursivas (muitas vezes acadêmicas) impõem “modelos” de postura do analista que não necessariamente retratam o que é analisar no século XXI parece ser um dos grandes desafios para a Psicanálise nos dias atuais.
Pensar que o Lugar de sustentação do que é ser analista passa alhures de qualquer caricatura hollywoodiana ou novelescas é avançar na perpetuação de uma prática de questionamento do humano que há mais de um século nos ensina que não somos senhores em nossa própria casa. É isto que gosto de dizer aos meus alunos.

Referências Bibliográficas.
Freud, S. (1912/1969). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. Artigos sobre a técnica. In: Obras Psicológicas Completas. Vol. 12. Imago. Rio de Janeiro.
Lacan, J. (1979). O Seminário 2: O eu na teoria de Freud e na técnica psicanalítica. Jorge Zahar. Rio de Janeiro.
Nasio, J.D. (1999). Como trabalha um psicanalista? Jorge Zahar. Rio de Janeiro.

sábado, 10 de agosto de 2013

O Erro do excesso e da falta: Psicanálise demais e de menos.



Em um evento social, uma conhecida que eu não via há muitos anos me fala que não sabia que sou psicólogo, que acha muito interessante como a Psicologia, diz ela, entende sobre as pessoas, seus comportamentos, sonhos, desejos, etc.
Então no transcorrer da conversa, em que inclusive falo um pouco sobre Psicologia e Psicanálise, digo a ela que existem várias “escolas” da Psicologia, falo da teorias psicanalíticas que mais trabalho, enfim...Até que vem a pergunta, aliás, duas: Você está me analisando não é? O que você acha de mim?. Isto é bem comum. Qual psicólogo não passou por uma situação assim?
Depois de difundida mundialmente a Psicanálise passou a ser, para muitas pessoas, uma espécie de panaceia, de oráculo que podia dar resposta para qualquer coisa graças a bandeira da famosa frase “Freud explica.” Muitas condutas não podiam mais ser expressas espontaneamente pelas pessoas que imediatamente, os analistas de plantão estavam lá, prontos para “interpretar” tais condutas com o que de melhor a teoria freudiana deixava ao dispor.
Assim as rodas sociais passaram a ser compostas de pessoas que ao fumar ou falar muito, tinham “fixação na fase oral”; se o companheiro ou companheira fosse parecido com os pais dos respectivos parceiros então se tratava de alguém com “Édipo mal resolvido” ou ainda quando relatava um sonho qualquer, já recebia o bombardeio de que era a expressão de seus desejos sexuais reprimidos, que se tratava de uma pessoa recalcada, etc.
A história da Psicanálise mostra que claramente isto acontecia. Em um certo momento no Brasil por exemplo na década de 80, era “chique” ter a Psicanálise como uma espécie de “talismã” em que os mais intelectualizados não se furtavam de discursar eloquentemente os termos freudianos. Pelo menos nos grandes centros brasileiros houve sim um “boom” psicanalítico.
Atualmente, não parece mais haver o mesmo cenário. Não de forma plenamente igual. A eclosão de várias outras formas de psicoterapia, a sociedade tecnológica que quer tudo em ritmo rápido, sem contar o crescimento farmacológico e a busca contínua por religiões, transformou o cenário outrora dominado pela Psicanálise. Assim, os discursos também mudaram.
Não que não haja mais Psicanálise. A ciência do inconsciente continua aí, firme e forte. Mas parece ter perdido este “boom” dos anos 80. Por outro lado, se instalou cada vez mais no meio acadêmico e dentro da formação do profissional de Psicologia continua sendo uma das teorias mais utilizadas.
A entrada da Psicanálise no meio acadêmico é motivo de vários questionamentos. Em verdade desde o próprio Freud ( que viu o crescimento de sua ciência começar a acontecer quando recebe o reconhecimento de uma Universidade norte americana em 1909), sempre houveram incertezas sobre o quanto a Psicanálise deixaria de ser ela mesma na medida em que se torna uma “cadeira acadêmica.”
O que tenho presenciado, tanto aqui no Brasil quanto na Argentina, aonde realizo estudos de doutorado, é que há os psicanalistas, os pesquisadores que pensam com a Psicanálise e alguns que são psicanalistas e pesquisadores. A diferença talvez fique mais evidenciada a partir de uma possível separação didática entre aqueles que praticam a análise, ou seja, aqueles que psicanalisam e aqueles que não o fazem. Estes últimos não costumam se nomear analistas.
Me parece importante relembrar que a Psicanálise não é apenas uma terapêutica, não se resume somente a psicoterapia. Ela é um método. Provavelmente é isto que ela é em essência; Um método. E um método de investigação. Se é assim, como não pensá-la também existindo nos meios universitários. Como não pensá-la em meio a Psicologia? Uma vez que não se trata de graduação específica e também não é uma profissão, que melhor lugar para a doutrina freudiana do que no meio acadêmico?
Talvez a melhor resposta a esta pergunta esteja em pensarmos que o melhor lugar além da Universidade só pode ser mesmo as Sociedades Psicanalíticas. Ali a Psicanálise circula livre, muito mais como uma arte ( como gostam de pensar muitos analistas não pesquisadores) do que como ciência. E é este um fardo para a Psicanálise no meio acadêmico. Ter que se provar como Ciência.
Mas será mesmo que nas Sociedades, a Psicanálise é livre? E será mesmo um fardo se impor como Ciência?
A discussão abrange aspectos dispares e fundamentais como por exemplo: no meio acadêmico não se exigirá a análise a quem for trilhar o caminho freudiano ( ou lacaniano, ou kleiniano, enfim.), situação que está segura nas Sociedades. Os três, quatro ou cinco anos de formação em Instituições psicanalíticas, não são reconhecidos pelo Ministério da Educação no Brasil. Um Mestrado em Psicanálise, não possibilita se tornar analista. São aspectos distintos.
Em outra extremidade, já existem “formações” em Psicanálise vinculadas a grupos religiosos e ou “esotéricos” que provavelmente fariam Freud levantar da cova (por maior que fosse sua simpatia pelo pastor/ psicanalista Pfister) por sua brevidade, não exigência de análise didática e seminários que trazem temas que não estão mais diretamente ligadas ao campo psicanalítico ( hipnose, sexologia, etc).
Ao interessado que fizer uma busca no google sobre Psicanálise, irão aparecer tantas opções de site que fica muito difícil entender afinal de contas do que se trata. Inúmeros psicanalistas, com várias teorias diferentes, formações de vários formatos diferentes, pós graduações também de formatos diferentes, instituições as mais variadas e que não se reconhecem mutuamente. Este é o grande cenário da Psicanálise no Brasil.
Ao mesmo tempo, encontramos psicanalistas nas páginas da Veja, da Época ou mesmo da Caras. Psicanalistas convocados para falar sobre temas variados nos programas de televisão, inclusive em programas de humor ( o fim da sisudez psicanalítica?). Se não temos mais o “boom” de outrora, temos os psicanalistas e suas várias possibilidades, em vários espaços de comunicação.
Em Rondônia não há uma cultura psicanalítica. Dos primeiros psicanalistas que tive a satisfação de conhecer e estudar junto em Porto Velho ( Luciene Abreu e Wagner Walterberg) nos anos 90, ao número ainda ínfimo de psicólogos que trilham o caminho psicanalítico, seja fazendo formação em outro Estado ou mesmo estudando as obras psicanalíticas e atendendo em psicoterapia psicanalítica, a Psicanálise mostra-se, de modo geral, restrita ao meio acadêmico da Psicologia.
Nos anos 2000, começaram a aparecer no Estado, os primeiros psicanalistas oriundos destas instituições que fariam Freud levantar da tumba. Não eram graduados em Psicologia e isto nos incomodou e lutamos contra tais “psicanalistas”. Sem muita razão lógica pois a Psicanálise não é exclusividade da Psicologia. Nós sabíamos disto, mas mesmo assim, seguindo até o que fez nosso Conselho Federal na época, não reconhecíamos tal formação. No entanto ,eles ainda andam por aí.
Ter uma cultura psicanalítica remete ao que eu senti a primeira vez que fui ao Rio de Janeiro em 1997. Eu respirei Psicanálise. E respirar Psicanálise significa senti-la em outros lugares que não apenas o terreno da Psicologia. É basicamente perceber que os conhecimentos freudianos são citados por outros profissionais para tratar de seus assuntos, os mais diversificados possíveis ( de política ao esporte, passando pela arte). Senti o mesmo em Buenos Aires ( aonde encontrei gente que não era aluno de Psicologia, lendo Lacan no metrô). Não vejo isto em Porto Velho, não vejo isto em Rondônia.
O pastiche é sempre o risco. Não é incomum que psicólogos ou outros profissionais citem a Psicanálise e nem saibam exatamente do que estão falando e acabem por reduzir a Ciência do inconsciente a uma técnica de modificação comportamental ou ainda a uma pseudofilosofia pretensiosamente hermenêutica. Também não fiquemos com as caricaturas cinematográficas!.
Uma das coisas que mais me incomodam é aos que se pretendem de alguma forma “psicanalistas”, desconhecerem a história da Psicanálise no mundo e no Brasil e não pensarem, não somente os alcances mas principalmente, os limites do instrumental freudiano. Preferem muitas vezes falar “difícil” para impressionar e acabam sendo vazios de conteúdo ou então falam de jeito excessivamente simplista que deslocam a Psicanálise de seu lugar.
Ouvi um dia (não lembro de quem) que Freud não explica mais nada. Mas o velhinho ainda nos faz pensar bastante. E nos dias de hoje, em que as pessoas estão fazendo tanto e de qualquer jeito, pensar é algo fundamental.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Os atos de fala e as pulsões relacionadas de acordo com o método ADL.

Quando descobri o trabalho do psicanalista argentino David Maldavsky nos seminários do Doutorado em Psicologia da UCES em Buenos Aires em 2011, tive acesso a uma sistematização diferenciada da Psicanálise. Se antes, por meio de algum conhecimento do que escreveram os psicanalistas brasileiros Fábio Hermann e Renato Mezan sobre a cientificidade da Psicanálise, eu já me permitia pensar o conhecimento psicanalítico freudiano como um método e enquanto tal, ciência, com Maldavsky tudo isto apenas se fortaleceu. Ao longo de 30 anos de estudo sobre os tipos de discursos de pacientes na clínica psicanalítica, Dr.Maldavsky criou o Algoritmo David Liberman (ADL), uma homenagem ao seu mentor e inspirador ( psicanalista influente na Buenos Aires dos anos 60)conhecido por ter sido um dos primeiros psicanalistas a se preocupar em definir a clínica como lugar de pesquisa ( hipotética-dedutiva) a partir do discurso dos pacientes e também do próprio discurso do analista como complemento ao que o paciente dizia. Tentando ser bem sintético, o ADL é composto de tabelas que agregam nelas várias possibilidades de discursos que foram divididas em palavras, frases e relatos e relacionadas com as fases psicossexuais freudianas, ou melhor, com as pulsões ( que os argentinos nomeiam de "deseos" ou "erogeneidades".Como exemplo posso assinalar; Frases que tenham conteúdo que possam ser interpretados como "ambiguidade","abstrações" ou "referencias a estados corporais" foram relacionados a falas de tipo Oral primário (O1) enquanto que falas com conteúdo de "lamentação", "queixas", "submissão" e "sentimentos de inutilidade" foram relacionadas com pulsão Oral secundário (O2).Tudo isto está previsto em tabelas que o pesquisador pode, não sem o esforço da analisar,fazer as correlações. Do ponto de vista psicodinâmico, sabemos que a fase oral quarda pontos de fixação que remetem a psicoses e estados emocionais que referem um ego mais fragilizado. Maldavsky não adota um estruturalismo lacaniano, no entanto em momento algum abandona a metapsicologia e acredita que o psiquismo possui a capacidade de conter todas as manifestações, diferenciando-se por intensidades e contextos. Em outras palavras, é possível "ver" em um neurótico a manifestação de falas psicóticas, ou ainda, em um mesmo discurso, conteúdos histéricos e paranóicos.O que talvez já soubessemos da prática, o ADL nos permite organizar enquanto metodologia. Outras falas tabeladas são por exemplo, frases com conteúdo de "acusações" e "ofensas" (Anal primário A1),"dúvidas", "perguntas" e "detalhes" ( Anal secundário A2), "desconfiança" e "referencias a casualidade" ( Fálico uretral FU) e "dramatização" e "agradecimentos" ( Fálico genital FG). Em verdade existem vários tipos de conteúdos possíveis de podermos interpretar em um discurso e fazer a correlação com um "deseo".Como eu já mencionei existem várias tabelas construídas ao longo dos anos, fruto de pesquisas com vários pacientes. As dominâncias nos dão a chance de entender a dinâmica do sujeito analisado ou pesquisado. Vale ainda ressaltar que Dr Maldavsky acrescentou uma outra fase àquelas propostas por Freud; a Libido Intra-Somática ( LI),que ele atrela a pacientes com comprometimentos que remetem ao corporal como adictos e psicossomáticos. Falas de tipo "catártica" e "predominância de contas", "ecolalia" ou "falas de perseveração", podem ser indicativos de dinâmicas LI. Obviamente, muito pode ser dito sobre o ADL. Além de frases, a metodologia permite analisar palavras e relatos inteiros.E assim como nos permite correlacionar as falas com os desejos, nos da a possibilidade ainda de percebermos os mecanismos de defesa utilizados pelo sujeito, com a existência de tabelas específicas para as defesas. Iniciei uma pesquisa com o ADL no intuito de saber quais os desejos e defesas presentes nas falas de pessoas em um processo de Mediação de Conflitos e a partir daí poder pensar não apenas sobre a psicodinâmica das partes envolvidas na Mediação, mas também do próprio mediador, para entender suas intervenções verbais e analisar a condução do trabalho. Deixo a dica sobre o trabalho do Dr Maldavsky. Sua principal obra ( dentre vários livros e artigos) chama-se " La Investigación psicoanalíticas del lenguaje", lançada em 2004 pela Lugar editorial de Buenos Aires.Infelizmente ainda inédito por aqui.

domingo, 23 de junho de 2013

Brevíssima reflexão sobre os dias de minicurso e sobre outra "coisa"

Sidney Shine e Denise Perissini estiveram conosco durante estes meses de maio e junho.Vale ressaltar para quem não sabe que se trata de dois dos maiores nomes da Psicologia atualmente, com vários trabalhos e livros publicados. Mais uma vez trouxeram temas que nos possibilitou colocar em estado de reflexão e questionamentos no tocante a um área ainda com muito por fazer mas também com muita coisa já acontecendo: a Psicologia Jurídica. Alienação parental, falsas memórias, abuso sexual,as questões de família, crime, documentos psicólogicos e sua produção e o trabalho do perito e do assistente técnico. Como não se interessar por tudo isto? como não querer debater? aprender? confirmar o que sabe? ou mesmo descontruir o que sabe? Aliás descontruir o que sabe, ou que pensa que sabe, foi o que me marcou mais nestes dias junto a eles. Não sou novato na Psicologia Jurídica. Não tenho nenhum receio de dizer que não cai de para-quedas no Tribunal de Justiça. Eu já sabia de muita coisa, afinal vinha de trabalhos junto a adolescentes infratores e algumas atuações envolvendo famílias e também medidas protetivas.Desde 2001 trabalhando na Psicologia Jurídica. Mas o que também não tenho nenhum problema em constatar é que mais do que aprender quando estive com eles desta vez, eu descontruí algumas coisas. Nada de mais talvez,e ao mesmo tempo coisas enormes. Não vou detalhar aqui, creio desnecessário. O farei em sala de aula e no trabalho cotidiano com os colegas e alunos com quem me relaciono. Só pensei em compartilhar um pouco... ás vezes podemos cair em alguma armadilha de que já sabemos de algo e que este algo não precisa mais ser questionado. Talvez seja isso que faz com que alguns colegas não mostrem o que fazem, como fazem. Talvez. O que sei é que nada me parece definitivo no que diz respeito ao trabalho do psicólogo e que nós devemos sempre nos permitir o questionamento, o debate e o compartilhar saberes mas parece algumas vezes que isto não acontece como deveria acontecer. E não venham me dizer que é apenas uma percepção minha. Agradeço imensamente a eles, Sidney e Denise. E agradeço também aos colegas e alunos que estiverem nos cursos.Estes mantém viva em mim a idéia de que sempre haverá o espaço da troca, da interação, das divergências enfim... Se há quem se esconda, também há quem se mostre.E estes que se mostram e não os acomodados, poderão fazer o futuro promissor de nossa Ciência e Profissão.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Além de escutar...o que falar e como falar na clínica psicanalítica?

Rubens Alves, escritor, educador e psicanalista já escreveu que as pessoas deveriam fazer menos curso de oratória e se dedicar a algum curso de "escutatória", pois parecem que todos querem falar mas não tem a mesma disposição para escutar. Isso ilustra bem as relações interpessoais em geral e realmente merece atenção. Já na prática da clínica psicanalítica sempre estudamos que a escuta, se não é tudo é fundamental, haja vista que a idéia de que temos que saber lidar com o silêncio do paciente sempre permeia a condução do trabalho.
Não há dúvida: nós, seguidores da psicanálise, somos "treinados" para escutar. Escutar o inconsciente, as repressões, as defesas, o édipo. E que fique bem claro que isso não é escutar de qualquer jeito, nem qualquer coisa. Escutamos os não-ditos, aquilo que no discurso escorrega, tropeça e de alguma forma clama para "entregar" o sujeito para si mesmo e , principalmente, para o analista, pois este irá poder fazer com que isso ( sim...o "isso" lacaniano) retorne para o lugar de onde veio, ou seja, um sujeito que não sabe que sabe, aquilo que aparece na escrita de Manonni; um saber que não se sabe.
É exatamente aqui que quero me ater neste instante. Em como o analista faz retornar o isso.
Antes...atesto mais uma vez a quase "sagrada" condição de nossa prática: escutar é tão fundamental que é comum que atrelemos a escuta como aquilo que implica a psicanálise também fora das paredes do consultório. Como se implica a Psicanálise em outros lugares de atuação do psicólogo? o que a caracteriza. A escuta dirão. Eis a mola mestra, eis o que nos marca, a escuta. Dentro do consultório, mas também fora, quando fazemos outras psicanálises.
Voltando... quero propor pensar que é chegada a hora de darmos mais valor ao que fazemos além da escuta. Obviamente, existem comunicações não verbais e que são de suma importancia no trabalho clínico, não se duvida disso nem em psicanálise. Mas o valor que reivindico não é para outra coisa senão nossa fala. O que fala e como fala um analista, ou mesmo um psicoterapeuta de orientação analítica ( enfim, seguimos a Freud, não é?) tem que vir a ser mais objeto de nosso interesse.
Jorge Forbes tem falado sobre isso nas suas reflexões sobre a Psicanálise no século XXI. Lacan também quando deixou claro que o analista conduz a análise ( sim! para desespero de quem ainda de forma ingênua, crê que quem conduz é o paciente sozinho e  nós apenas o escutamos). Não é isso que incomodou tanta gente? o analista vir a saber mais que o paciente sobre ele mesmo? mas, parecem esquecer que só é assim para nós porque acreditamos que o paciente não sabe que sabe. Não é bem isso o inconsciente?
Então...o analista fala.É preciso esclarecer. primeiro sigamos Nasio quando brilhantemente nos provocou com a idéia do silêncio-em -si. Desde que li isto pela primeira vez em 1999, não tive mais medo de falar. Exatamente porque fiz silêncio, calei meu "ego" e assim pude falar com meus pacientes.
Acredito ainda que a importancia desta pequena reflexão remete à  formação de novos psicoterapeutas psicanalíticos. Diante daquilo que o paciente diz não me resta apenas escutar. Claro que se eu não escutar nada de psicanalítico poderá ser feito. Mas que eu saiba o que eu escuto. Porque? porque eu preciso falar também. O que eu falo? como falo? em que momento falo? são questões essenciais da clínica psicanalítica moderna. Não esqueçamos que Freud já nos ensinou sobre a construção e a interpretação e bem depois, Fiorini e Zimmerman estudaram as intervenções verbais do analista. Entre eles, Lacan ( de novo) já havia escrito que a resistência é do próprio analista, não exatamente do paciente. Enfim...esta é a questão para quem se aventura na psicoterapia psicanalítica. Depois que eu escuto, o que eu falo?

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Eleições para o CRP...já vi isso antes.


Está chegando nova eleição para o CRP.

Acompanho as ações do Conselho Regional de Psicologia desde 1995, trabalhei diretamente no Conselho de 2003 a 2007 como membro da Comissão de Orientação e Fiscalização e depois como Coordenador Geral. Sinceramente não me surpreende em nada o atual cenário, que na verdade caberia perfeitamente nos conceitos freudianos de "repetição" e "acting out". Chapa única, desinteresse da maioria, desorganização do próprio sistema conselhos, as limitações e prejuízos de se fazer um trabalho não remunerado, ausência de mobilização política, etc.... Parabenizo os colegas que insistem...são como o analista diante dos sintomas neuróticos. É por isso que possivelmente um dia eu volto. Antes..quero ver novos analistas!


Talvez a saída seja mesmo os colegas do interior? alguém comentou comigo esses dias. O CRP poderia ter sua base em Cacoal por exemplo, que parece estar se tornando o centro da Psicologia em Rondônia, ou ao menos parece competir bem com Porto Velho, no sentido de atividades desenvolvidas por lá. 

Ou então...que tal a intervenção?
mudaria alguma coisa? para ser sincero não sei.
Assim como cabe a reflexão: ao trocarmos Brasília por Manaus, trocamos seis por meia dúzia no sentido da Gestão?
o que será que pensam nossos colegas do Acre e de Roraima? ainda quero pensar que não, pois eu fui um dos primeiros a defender esta mudança quando eu estava no CRP.

Enfim...o que o analista pode fazer diante da repetição?

Analisar. Mas para isso, o paciente precisa estar comprometido com seu lado racional, a pensar sobre seus desejos mais reprimidos.
Do contrário é como dar murro em ponta de faca.