sábado, 10 de agosto de 2013

O Erro do excesso e da falta: Psicanálise demais e de menos.



Em um evento social, uma conhecida que eu não via há muitos anos me fala que não sabia que sou psicólogo, que acha muito interessante como a Psicologia, diz ela, entende sobre as pessoas, seus comportamentos, sonhos, desejos, etc.
Então no transcorrer da conversa, em que inclusive falo um pouco sobre Psicologia e Psicanálise, digo a ela que existem várias “escolas” da Psicologia, falo da teorias psicanalíticas que mais trabalho, enfim...Até que vem a pergunta, aliás, duas: Você está me analisando não é? O que você acha de mim?. Isto é bem comum. Qual psicólogo não passou por uma situação assim?
Depois de difundida mundialmente a Psicanálise passou a ser, para muitas pessoas, uma espécie de panaceia, de oráculo que podia dar resposta para qualquer coisa graças a bandeira da famosa frase “Freud explica.” Muitas condutas não podiam mais ser expressas espontaneamente pelas pessoas que imediatamente, os analistas de plantão estavam lá, prontos para “interpretar” tais condutas com o que de melhor a teoria freudiana deixava ao dispor.
Assim as rodas sociais passaram a ser compostas de pessoas que ao fumar ou falar muito, tinham “fixação na fase oral”; se o companheiro ou companheira fosse parecido com os pais dos respectivos parceiros então se tratava de alguém com “Édipo mal resolvido” ou ainda quando relatava um sonho qualquer, já recebia o bombardeio de que era a expressão de seus desejos sexuais reprimidos, que se tratava de uma pessoa recalcada, etc.
A história da Psicanálise mostra que claramente isto acontecia. Em um certo momento no Brasil por exemplo na década de 80, era “chique” ter a Psicanálise como uma espécie de “talismã” em que os mais intelectualizados não se furtavam de discursar eloquentemente os termos freudianos. Pelo menos nos grandes centros brasileiros houve sim um “boom” psicanalítico.
Atualmente, não parece mais haver o mesmo cenário. Não de forma plenamente igual. A eclosão de várias outras formas de psicoterapia, a sociedade tecnológica que quer tudo em ritmo rápido, sem contar o crescimento farmacológico e a busca contínua por religiões, transformou o cenário outrora dominado pela Psicanálise. Assim, os discursos também mudaram.
Não que não haja mais Psicanálise. A ciência do inconsciente continua aí, firme e forte. Mas parece ter perdido este “boom” dos anos 80. Por outro lado, se instalou cada vez mais no meio acadêmico e dentro da formação do profissional de Psicologia continua sendo uma das teorias mais utilizadas.
A entrada da Psicanálise no meio acadêmico é motivo de vários questionamentos. Em verdade desde o próprio Freud ( que viu o crescimento de sua ciência começar a acontecer quando recebe o reconhecimento de uma Universidade norte americana em 1909), sempre houveram incertezas sobre o quanto a Psicanálise deixaria de ser ela mesma na medida em que se torna uma “cadeira acadêmica.”
O que tenho presenciado, tanto aqui no Brasil quanto na Argentina, aonde realizo estudos de doutorado, é que há os psicanalistas, os pesquisadores que pensam com a Psicanálise e alguns que são psicanalistas e pesquisadores. A diferença talvez fique mais evidenciada a partir de uma possível separação didática entre aqueles que praticam a análise, ou seja, aqueles que psicanalisam e aqueles que não o fazem. Estes últimos não costumam se nomear analistas.
Me parece importante relembrar que a Psicanálise não é apenas uma terapêutica, não se resume somente a psicoterapia. Ela é um método. Provavelmente é isto que ela é em essência; Um método. E um método de investigação. Se é assim, como não pensá-la também existindo nos meios universitários. Como não pensá-la em meio a Psicologia? Uma vez que não se trata de graduação específica e também não é uma profissão, que melhor lugar para a doutrina freudiana do que no meio acadêmico?
Talvez a melhor resposta a esta pergunta esteja em pensarmos que o melhor lugar além da Universidade só pode ser mesmo as Sociedades Psicanalíticas. Ali a Psicanálise circula livre, muito mais como uma arte ( como gostam de pensar muitos analistas não pesquisadores) do que como ciência. E é este um fardo para a Psicanálise no meio acadêmico. Ter que se provar como Ciência.
Mas será mesmo que nas Sociedades, a Psicanálise é livre? E será mesmo um fardo se impor como Ciência?
A discussão abrange aspectos dispares e fundamentais como por exemplo: no meio acadêmico não se exigirá a análise a quem for trilhar o caminho freudiano ( ou lacaniano, ou kleiniano, enfim.), situação que está segura nas Sociedades. Os três, quatro ou cinco anos de formação em Instituições psicanalíticas, não são reconhecidos pelo Ministério da Educação no Brasil. Um Mestrado em Psicanálise, não possibilita se tornar analista. São aspectos distintos.
Em outra extremidade, já existem “formações” em Psicanálise vinculadas a grupos religiosos e ou “esotéricos” que provavelmente fariam Freud levantar da cova (por maior que fosse sua simpatia pelo pastor/ psicanalista Pfister) por sua brevidade, não exigência de análise didática e seminários que trazem temas que não estão mais diretamente ligadas ao campo psicanalítico ( hipnose, sexologia, etc).
Ao interessado que fizer uma busca no google sobre Psicanálise, irão aparecer tantas opções de site que fica muito difícil entender afinal de contas do que se trata. Inúmeros psicanalistas, com várias teorias diferentes, formações de vários formatos diferentes, pós graduações também de formatos diferentes, instituições as mais variadas e que não se reconhecem mutuamente. Este é o grande cenário da Psicanálise no Brasil.
Ao mesmo tempo, encontramos psicanalistas nas páginas da Veja, da Época ou mesmo da Caras. Psicanalistas convocados para falar sobre temas variados nos programas de televisão, inclusive em programas de humor ( o fim da sisudez psicanalítica?). Se não temos mais o “boom” de outrora, temos os psicanalistas e suas várias possibilidades, em vários espaços de comunicação.
Em Rondônia não há uma cultura psicanalítica. Dos primeiros psicanalistas que tive a satisfação de conhecer e estudar junto em Porto Velho ( Luciene Abreu e Wagner Walterberg) nos anos 90, ao número ainda ínfimo de psicólogos que trilham o caminho psicanalítico, seja fazendo formação em outro Estado ou mesmo estudando as obras psicanalíticas e atendendo em psicoterapia psicanalítica, a Psicanálise mostra-se, de modo geral, restrita ao meio acadêmico da Psicologia.
Nos anos 2000, começaram a aparecer no Estado, os primeiros psicanalistas oriundos destas instituições que fariam Freud levantar da tumba. Não eram graduados em Psicologia e isto nos incomodou e lutamos contra tais “psicanalistas”. Sem muita razão lógica pois a Psicanálise não é exclusividade da Psicologia. Nós sabíamos disto, mas mesmo assim, seguindo até o que fez nosso Conselho Federal na época, não reconhecíamos tal formação. No entanto ,eles ainda andam por aí.
Ter uma cultura psicanalítica remete ao que eu senti a primeira vez que fui ao Rio de Janeiro em 1997. Eu respirei Psicanálise. E respirar Psicanálise significa senti-la em outros lugares que não apenas o terreno da Psicologia. É basicamente perceber que os conhecimentos freudianos são citados por outros profissionais para tratar de seus assuntos, os mais diversificados possíveis ( de política ao esporte, passando pela arte). Senti o mesmo em Buenos Aires ( aonde encontrei gente que não era aluno de Psicologia, lendo Lacan no metrô). Não vejo isto em Porto Velho, não vejo isto em Rondônia.
O pastiche é sempre o risco. Não é incomum que psicólogos ou outros profissionais citem a Psicanálise e nem saibam exatamente do que estão falando e acabem por reduzir a Ciência do inconsciente a uma técnica de modificação comportamental ou ainda a uma pseudofilosofia pretensiosamente hermenêutica. Também não fiquemos com as caricaturas cinematográficas!.
Uma das coisas que mais me incomodam é aos que se pretendem de alguma forma “psicanalistas”, desconhecerem a história da Psicanálise no mundo e no Brasil e não pensarem, não somente os alcances mas principalmente, os limites do instrumental freudiano. Preferem muitas vezes falar “difícil” para impressionar e acabam sendo vazios de conteúdo ou então falam de jeito excessivamente simplista que deslocam a Psicanálise de seu lugar.
Ouvi um dia (não lembro de quem) que Freud não explica mais nada. Mas o velhinho ainda nos faz pensar bastante. E nos dias de hoje, em que as pessoas estão fazendo tanto e de qualquer jeito, pensar é algo fundamental.

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