O PSICOTERAPEUTA FORA DO CONSULTÓRIO (OU
O QUE EU FAÇO QUANDO ENCONTRO COM MEU PACIENTE FORA DA SESSÃO?)
Zeno Germano.
A
primeira vez que encontrei com um paciente fora da sessão foi algo que me incomodou
bastante. Na época, primeiro ano de formado e ainda limitado por alguns dogmas,
tive vontade de me esconder, desejei poder me encolher e nao ser visto, pensei
que a psicoterapia iria ser prejudicada.
Tudo
isto ainda aparece com frequência nos anseios dos futuros psicólogos quando
toco no assunto em minhas aulas. Perguntam; “O que faço se encontrar com meu
´paciente em um banho de rio?”, “ E se encontrar com meu paciente em uma
festa?”, etc. E não é sem sentido a preocupação. De um lado toda a “aura” de mistério
que envolve a prática da psicoterapia, principalmente a Psicanálise, de outro
lado, nossa Porto Velho que por mais que cresça permaneçe pequena em muitas
situações. Imaginem os demais municípios de Rondônia!. Entendo tudo isso.
No
meu caso lembro que encontrei uma paciente em uma festa. Eu de brinco e bebendo
vinho. Quase engasgei quando percebi-a me olhando com um olhar tipo; “Meu
deus, ele bebe? E usa brinco?”.Pra minha sorte ela não veio falar comigo. Fez
que nao me reconheceu, eu acho. Nem me comprimentou. Mas eu me incomodei por
que naquele momento achei que tin ha perdido a tal “aura” de mistério do
psicoterapeuta.
Lembrava
de algumas falas minhas mesmo, que remetiam á figura do terapeuta fora da
sessão e se ligavam a ortodoxias históricas no terreno da Psicanálise que por
muito tempo, e isso é bem sabido, difundiu de forma muitas vezes radical,
posturas rígidas por parte dos psicanalistas com a intenção de garantir uma
neutralidade que hoje sabemos é apenas uma neutralidade possível.
A
compreensão da neutralidade do psicoterapeuta, que sem dúvida é cara á
psicanálise, confundiu-se tanto com uma subtração da espontaneidade do
profissional, que inclusive faz com que muitos leiam ainda que deve prevalecer
a famosa “cara de paissagem” durante as sessões. Não se pode sorrir, nao
devemos nos mexer, nao devemos responder as perguntas que volta e meia os
pacientes nos fazem (aqui prevaleçe a famosa contra-pergunta: “É importante pra
você?” feita pelos terapeutas no afã de permanecer “opaco” para seus pacientes
e não macular o setting). Enfim, não se pode falar!
E
fora do setting então? Nao podemos
dançar, não podemos beber, não podemos namorar, etc. Tudo para manter nossa
“imagem” e sustentar as condições transferenciais e de aliança necessárias para
o bom andamento do processo analítico. Há quem diga que o terapeuta não pode
nem tirar férias!
Espero
que o leitor, principalmente aqueles que estão iniciando no terreno da
Psicologia e da Psicanálise, possa ter a noção de que há grandes excessos nisto
tudo e muita coisa deveria mesmo ir parar em um cesto de lixo. Não igualem
encontrar com um paciente em uma situação fora da sessão com o fim do processo
analítico. Uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra.
Primeiramente
acredito que não só podemos agir como a
maioria das pessoas quando querem se divertir como insisto que devemos
fazer isso se assim for nossa vontade. Isto é o mesmo que dizer que; se o
psicólogo gosta de sair, dançar, beber e namorar que o faça, pois estará sendo
apenas ele mesmo. Não está escrito em lugar nenhum que o melhor terapeuta é
aquele que leva uma vida totalmente regrada, é religioso e restringe sua vida
social a almoços familiares aos domingos. Às vezes isto tudo esconde uma
tremenda neurose.
Apenas
para esclarecer melhor o que escrevo, o psicanalista francês Jacques Lacan era
boêmio, amissísimo de artistas e intelectuais do surrealismo como Salvador Dalí
e adepto de bebericar um bom vinho. Muitos psicólogos também são artistas,
escrevem poemas, pintam quadros, são músicos, trabalham com teatro, gostam da
noite e são também psicoterapeutas. Eu mesmo labuto na música desde antes de
ser psicólogo. Nao há indícios que uma atividade prejudique a outra
necessariamente assim como nao há sinais que deixem claro que gostar de sair
seja sinônimo de um terapeuta que não sustenta seus pacientes.
Acredito
que ser espontâneo é o mais importante para qualquer relação terapêutica; ser
eu mesmo é o que já há algum tempo
passou a guiar minha conduta profissional. Joguei fora os dogmas, abandonei as
igrejinhas psicanalíticas ou psicológicas (aquela briguinha burra de quem é
melhor, Freud ou Skinner?, Freud ou Rogers? Não é mais necessária) e tenho como
preocupação maior ter com meus pacientes
uma conduta ética que mantenha o compromisso que devo ter para com eles e para
com meu trabalho.
Voltando
aquela paciente que encontrei em uma festa...na sessão seguinte comentou que me
viu e só. Depois retomou seus conteúdos e trabalhamos ainda por seis meses. E
eu achando que tudo estava perdido!
Mas
há algo mais...
Mesmo
com tudo isto não podemos esquecer que somos profissionais com a necessidade de
se cuidar emocionalmente para poder cuidar do outro. Então temos que buscar
manter o equilíbrio o máximo que pudermos inclusive retomando nossas análises
pessoais quando assim for possivel e necessário.
Em outras palavras acredito que ao mesmo tempo
que devemos ser espontâneos, não temos o mesmo “direito” da maioria das pessoas
de não se equilibrarem e sair descompensando por ai. E querem saber? O que
escrevo não é somente para psicoterapeutas não. Todos os psicólogos precisam
atentar pra isso.
É...ser
psicólogo, não é fácil.
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