sexta-feira, 19 de outubro de 2012

O PSICOTERAPEUTA FORA DO CONSULTÓRIO (OU O QUE EU FAÇO QUANDO ENCONTRO COM MEU PACIENTE FORA DA SESSÃO?)


O PSICOTERAPEUTA FORA DO CONSULTÓRIO (OU O QUE EU FAÇO QUANDO ENCONTRO COM MEU PACIENTE FORA DA SESSÃO?)

                                                                                                           Zeno Germano.

A primeira vez que encontrei com um paciente fora da sessão foi algo que me incomodou bastante. Na época, primeiro ano de formado e ainda limitado por alguns dogmas, tive vontade de me esconder, desejei poder me encolher e nao ser visto, pensei que a psicoterapia iria ser prejudicada.
Tudo isto ainda aparece com frequência nos anseios dos futuros psicólogos quando toco no assunto em minhas aulas. Perguntam; “O que faço se encontrar com meu ´paciente em um banho de rio?”, “ E se encontrar com meu paciente em uma festa?”, etc. E não é sem sentido a preocupação. De um lado toda a “aura” de mistério que envolve a prática da psicoterapia, principalmente a Psicanálise, de outro lado, nossa Porto Velho que por mais que cresça permaneçe pequena em muitas situações. Imaginem os demais municípios de Rondônia!. Entendo tudo isso.
No meu caso lembro que encontrei uma paciente em uma festa. Eu de brinco e bebendo vinho. Quase engasgei quando percebi-a me olhando com um olhar tipo; “Meu deus, ele bebe? E usa brinco?”.Pra minha sorte ela não veio falar comigo. Fez que nao me reconheceu, eu acho. Nem me comprimentou. Mas eu me incomodei por que naquele momento achei que tin ha perdido a tal “aura” de mistério do psicoterapeuta.
Lembrava de algumas falas minhas mesmo, que remetiam á figura do terapeuta fora da sessão e se ligavam a ortodoxias históricas no terreno da Psicanálise que por muito tempo, e isso é bem sabido, difundiu de forma muitas vezes radical, posturas rígidas por parte dos psicanalistas com a intenção de garantir uma neutralidade que hoje sabemos é apenas uma neutralidade possível.
A compreensão da neutralidade do psicoterapeuta, que sem dúvida é cara á psicanálise, confundiu-se tanto com uma subtração da espontaneidade do profissional, que inclusive faz com que muitos leiam ainda que deve prevalecer a famosa “cara de paissagem” durante as sessões. Não se pode sorrir, nao devemos nos mexer, nao devemos responder as perguntas que volta e meia os pacientes nos fazem (aqui prevaleçe a famosa contra-pergunta: “É importante pra você?” feita pelos terapeutas no afã de permanecer “opaco” para seus pacientes e não macular o setting). Enfim, não se pode falar!
E fora do setting então?  Nao podemos dançar, não podemos beber, não podemos namorar, etc. Tudo para manter nossa “imagem” e sustentar as condições transferenciais e de aliança necessárias para o bom andamento do processo analítico. Há quem diga que o terapeuta não pode nem tirar férias!
Espero que o leitor, principalmente aqueles que estão iniciando no terreno da Psicologia e da Psicanálise, possa ter a noção de que há grandes excessos nisto tudo e muita coisa deveria mesmo ir parar em um cesto de lixo. Não igualem encontrar com um paciente em uma situação fora da sessão com o fim do processo analítico. Uma coisa não tem necessariamente a ver com a outra.
Primeiramente acredito que não só podemos agir como a  maioria das pessoas quando querem se divertir como insisto que devemos fazer isso se assim for nossa vontade. Isto é o mesmo que dizer que; se o psicólogo gosta de sair, dançar, beber e namorar que o faça, pois estará sendo apenas ele mesmo. Não está escrito em lugar nenhum que o melhor terapeuta é aquele que leva uma vida totalmente regrada, é religioso e restringe sua vida social a almoços familiares aos domingos. Às vezes isto tudo esconde uma tremenda neurose.
Apenas para esclarecer melhor o que escrevo, o psicanalista francês Jacques Lacan era boêmio, amissísimo de artistas e intelectuais do surrealismo como Salvador Dalí e adepto de bebericar um bom vinho. Muitos psicólogos também são artistas, escrevem poemas, pintam quadros, são músicos, trabalham com teatro, gostam da noite e são também psicoterapeutas. Eu mesmo labuto na música desde antes de ser psicólogo. Nao há indícios que uma atividade prejudique a outra necessariamente assim como nao há sinais que deixem claro que gostar de sair seja sinônimo de um terapeuta que não sustenta seus pacientes.
Acredito que ser espontâneo é o mais importante para qualquer relação terapêutica; ser eu mesmo é  o que já há algum tempo passou a guiar minha conduta profissional. Joguei fora os dogmas, abandonei as igrejinhas psicanalíticas ou psicológicas (aquela briguinha burra de quem é melhor, Freud ou Skinner?, Freud ou Rogers? Não é mais necessária) e tenho como preocupação maior  ter com meus pacientes uma conduta ética que mantenha o compromisso que devo ter para com eles e para com meu trabalho.
Voltando aquela paciente que encontrei em uma festa...na sessão seguinte comentou que me viu e só. Depois retomou seus conteúdos e trabalhamos ainda por seis meses. E eu achando que tudo estava perdido!
Mas há algo mais...
Mesmo com tudo isto não podemos esquecer que somos profissionais com a necessidade de se cuidar emocionalmente para poder cuidar do outro. Então temos que buscar manter o equilíbrio o máximo que pudermos inclusive retomando nossas análises pessoais quando assim for possivel e necessário.
 Em outras palavras acredito que ao mesmo tempo que devemos ser espontâneos, não temos o mesmo “direito” da maioria das pessoas de não se equilibrarem e sair descompensando por ai. E querem saber? O que escrevo não é somente para psicoterapeutas não. Todos os psicólogos precisam atentar pra isso.
É...ser psicólogo, não é fácil.